Literatura de Cordel retrata em versos o dia a dia no Nordeste |
Versos rimados, às vezes cantados ao som da viola, outras vezes declamados de forma empolgada. Os livretos impressos, com desenhos na capa, xilogravuras ou mesmo fotos, popularmente conhecidos como Cordel encantam e mostram o dia- a-dia das pessoas, situações corriqueiras e temas relacionados à cultura popular.
Surgimento
Apesar de ter sido totalmente abraçado no Nordeste brasileiro, o Cordel data da época dos gregos e romanos, das grandes conquistas. No século XVI ele chega a Portugal e Espanha e finalmente, com a colonização portuguesa, desembarca em Salvador. Ou nas estrofes rimadas de José Antônio, cordelista de Aracaju:
Na Europa Medieval surgiam os menestréis
Que eram os trovadores poetas de carretéis
Que prendiam os seus poemas pendurados em cordéis
Porque a palavra cordel significa cordão
O cordel era exposto no meio da multidão
O trovador andarilho fazia declamação...
Estrutura do texto
O texto do cordel geralmente é simples e esse fator contribui para o sucesso dos livretos. “Os cordéis são versos cantados, o texto tem de sair fácil pela boca, sem falar do encanto, do verso, da rima e eu acho que o sucesso dos cordéis é isso, é uma leitura que chama as crianças, adultos”, explica Antônio Francisco, cordelista do Rio Grande do Norte.
Apesar da simplicidade, escrever em rimas contando histórias não é tarefa fácil. Os cordelistas são unânimes: é preciso ter dedicação, leitura e, claro, talento. “Para escrever cordel tem que ser poeta, porque se não for, não faz. Você pode falar oito idiomas, ter doutorado, mas se não tiver o dom da criatividade, da poesia, não consegue. É preciso ter inspiração”, afirma Ronaldo Dória, cordelista de Aracaju.
A opinião é compartilhada por Antônio Francisco: “O cordelista tem que gostar de ler, você não vai conseguir escrever bem se não ler. O cordel precisa de criatividade”, complementa Zezé de Boquim.
Como escrever
Para começar a escrever não tem idade. Ronaldo Dória, por exemplo, cresceu ouvindo cordéis e ainda na escola arriscou os primeiros versos. “Eu tive o prazer de ter meu avô que sempre lia cordel. Ele ia para a feira, comprava e, quando era noite, reunia todas as crianças e lia. Então eu cresci com isso em mim”, explica.
“Desde pequeno escrevo cordéis, mas foi apenas em 2003 que comecei a me apresentar como cordelista”, diz o cordelista Chiquinho do Além Mar.
Já Zezé de Boquim iniciou mais tarde, já adulto. “Em 83 a gente estava fazendo uma reforma na Igreja de Boquim e eu, vendo a dificuldade com todos trabalhando, comecei a fazer uma história em versos. No dia da inauguração eu li as páginas e as pessoas acharam muito interessante, então mandaram fazer um livreto e depois distribuíram. Com aquela venda e o movimento causado, eu me empolguei e não parei mais”, lembrou.
As dificuldades
Apesar da boa acolhida geral ao cordel, os poetas sentiram muitas dificuldades, principalmente quando desejam reunir seus trabalhos em livro e não apenas deixá-los nas impressões simples. Chiquinho do Além Mar, por exemplo, demorou 10 anos para conseguir lançar o livro “História de Sergipe Contada em Versos”. “Desde 2003 comecei a correr atrás porque sempre tive vontade de escrever sobre a história de Sergipe, o livro só saiu este ano, com apoio o Instituto Banese, Funcaju e Semed que entenderam que esse projeto é importante para o Estado”, diz.
Zezé de Boquim, ao longo de 17 anos, só conseguiu publicar cinco cordéis. "Naquele tempo era muito difícil, porque imprimir era caro e as gráficas trabalham com quantidade. Só em 2002 que tive incentivo, e nos últimos 10 anos escrevi 79 cordéis", comenta.
Já Antônio Francisco teve vários textos lançados em livros que são utilizados em muitas escolas. “Eu tenho sorte porque meus textos são usados nas escolas, para crianças de todas as idades. Tenho vários livros lançados, por grandes editoras, todos em cordéis”, comemora.
Divulgação
Até na divulgação e alcance dos livretos houve mudança com o passar do tempo. “Hoje tem textos meus na internet, que as outras pessoas colocam, é só pesquisar meu nome que aparece”, afirma Antônio Francisco.
Muitos cordelistas aprenderam a fazer sem ir para a gráfica, artesanalmente; com isso, produzem a quantidade possível. "Dessa forma tem como expandir, as escolas, a imprensa, todos estão procurando. Agora além de ter muitos cordéis, um cordelista quando viaja pode levar vários livros de outros amigos e divulgar", explica Zezé de Boquim.
Exemplo de cordel para crianças |
Os temas são os mais variados. Desde causos, figuras ilustres, acontecimentos reais, dia a dia de pessoas simples, lembranças do passado. Cada cordelista elege os temas com que tem mais intimidade e o resultado são diversos livretos, que mesmo repetindo o tema, guardam as características e impressões de cada um.
“Eu escrevo sobre ecologia e sobre a insensatez do homem sobre a vida”, afirma Antônio Francisco. “Eu tenho de tudo, Jorge Amado, Luiz Gonzaga, nova ortografia, política, agora lancei 10 cordeis só para crianças”, conta Ronaldo Doria. “Tenho três temas principais. Faço sobre o tema evangélico, sobre minha vida que é o que eu mais sei falar, e valorização da mulher, porque cresci rodeado de mulheres, sou casado e tive seis filhas. As mulheres sempre foram uma bênção na minha vida, complementa Zezé de Boquim.
Imagem de Xilogravura, muito presente nas capas dos Cordéis. |
Quem pensa em cordel lembra logo da imagem da capa, às vezes figuras, desenhos e tradicionalmente xilogravuras. Para a professora de artes da Universidade Federal de Sergipe, Marjorie Severo, a xilogravura proporciona uma proximidade muito grande com o artista, por isso ela é muito usada no cordel, também por ser uma técnica de baixo custo e acessível”.
Mesmo com o baixo custo e a proximidade das linguagens, atualmente em Sergipe poucos são os cordelistas que mantém a união das duas artes. “A xilogravura começou a ser usada no Nordeste com a peculiaridade de se tornar muito próxima do cordel. Acho uma pena que aqui em Sergipe não tenha cordéis com xilogravura, mas também pode abrir espaço para outras artes gráficas, complementa Marjorie.
Zezé de Boquim diz que nem todos os cordelistas dominam a técnica da xilogravura e, assim, sua utilização teria custos maiores. “A gente não trabalha com xilogravura porque é difícil, para fazer tem que pagar ao xilógrafo e com a arte só pode fazer um livro. Se a gente soubesse seria muito mais fácil", explica.
Por Allana Andrade Berthélemy
Obs. Texto publicado originalmente no site F5 News em agosto de 2012.
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